O efeito do partidarismo em nossas igrejas


“Quem vota em comunista não é cristão!” “Quem apoia este governo apoia tortura e, portanto, não entendeu o evangelho!” Ambas as frases foram retiradas de postagens de pessoas que se dizem cristãs e, indignadas com posturas por elas consideradas absurdas, saem em defesa de suas ideias. Seria inacreditável – se não fosse tão comum – como cristãos partem para o ataque contra outros cristãos em defesa de posições, partidos e pessoas que não têm o mesmo compromisso de vida com nosso Senhor Jesus Cristo.
Por um lado, posturas assim demonstram onde está a esperança de cada um. Se eu me sinto tão ofendido com a postura do outro a ponto de atacá-lo de forma tão passional, é porque o que tenho de mais precioso foi ameaçado. Será que o que temos de mais precioso é nossa posição política? Será que convicções políticas deveriam tomar precedência à nossa fé? Com isso, sendo brasileiro e passional confesso, não quero dizer que não há razão de indignação, de decepção ou mesmo de ira. Meu questionamento é em que momento minha frustração me autoriza a atacar ou passar julgamento sobre outro?
Quero convidá-los a examinar comigo duas passagens do livro de Paulo aos Filipenses. Em primeiro lugar, importa destacar que a cidade de Filipos era uma colônia de ex-soldados romanos. Os filipenses eram considerados cidadãos romanos por decreto imperial e isentos do pagamento de impostos. O status político era de enorme importância nesta cidade. À medida que uma igreja cristã teve início ali (Atos 16) surgiu uma tensão enorme entre os cidadãos que declaravam que César é Senhor e os cristãos que ousadamente firmavam que Jesus é Senhor. O texto que quero estudar primeiramente é verso 27 do capítulo 1:
27Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo, para que assim, quer eu vá e os veja, quer apenas ouça a seu respeito em minha ausência, fique eu sabendo que vocês permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica...
No verso 27 Paulo começa usando um termo precioso a qualquer cidadão de Filipos: “exerçam a sua cidadania”. Há um debate entre estudiosos se Paulo se referia à cidadania política ou à cidadania celestial. Ambas interpretações parecem possíveis. Por um lado devo exercer minha cidadania como brasileiro de modo digno do evangelho (o que traz alguns desafios e reflexões); por outro lado devo exercer minha cidadania celestial de modo digno do evangelho (o que destacaria outras implicações). 
De qualquer forma, a aplicação imediata que Paulo destaca é seu desejo de ver estes cristãos “num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica”. Infelizmente, o que temos visto são cristãos lutando entre si por partidos, posições e personagens políticos. Nossa causa é uma só, nossa bandeira é uma só. A única causa pela qual devemos lutar é pela fé evangélica. E, muito embora eu entenda que a fé evangélica traz implicações que afetam a política, estas não são elementos fundamentais da fé evangélica!
Temos de tomar extremo cuidado para não acrescentar qualquer outra condição à fé evangélica. Por mais que eu encontre incoerências entre fé evangélica e o socialismo, no momento que eu digo que quem apoia o socialismo não pode ser cristão, estou acrescentando ao evangelho. Por outro lado, por mais que apoiar a tortura seja uma postura contrária ao cristianismo, no momento que acrescento à fé na vida, morte salvífica e ressurreição de Cristo uma rejeição a posturas totalitárias como condição de salvação, estou acrescentando ao evangelho.
Uma unidade de pensar, de amor, de espírito e de atitude só é possível quando existe humildade, consideração e cuidado mútuo.
Podemos lamentar que cristãos não percebam estas incoerências. Na medida do possível podemos e devemos tentar ajudar estes irmãos a corrigir seus caminhos. Mas todo cuidado deve ser tomado para que neste movimento não lancemos fora a essência do que nos exorta o apóstolo: unidade!
O segundo texto vem logo a seguir, quando Paulo continua no capítulo 2, versos de 1 a 4:
1Se por estarmos em Cristo nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, 2completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude. 3Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos. 4Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros. 
Os cristão de Filipos, e por consequência nós também, foram exortados a demonstrarem sua unidade como testemunho de sua fé em Cristo. Não se trata de uma uniformidade cega, mas da construção de convicções sólidas a partir do senhorio de Cristo. As expressões do verso 2: “mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude” não significam posições impostas por uma liderança, mas conclusões de uma comunidade. O versos 3 e 4 mostram como podemos chegar a uma unidade assim: “... humildemente considerem os outros superiores a vocês mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros”. Uma unidade de pensar, de amor, de espírito e de atitude só é possível quando existe humildade, consideração e cuidado mútuo.
Paulo continua a passagem estabelecendo qual deve ser nosso modelo: o próprio Senhor Jesus! Nos versos 5 a 11 ele passa a descrever qual é a atitude que devemos cultivar. Isso não deveria nos surpreender. O próprio Jesus nos ensina que “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (João 13.35). Nossa unidade não é apenas um acréscimo interessante, não é apenas para que nosso convívio seja agradável. Jesus expressa que nossa unidade é uma das bases do nosso testemunho diante de um mundo perdido.
Temo que os combates do mundo estão começando a invadir a igreja, enfraquecendo nosso testemunho diante dos incrédulos. Ao invés de um amor que surpreende o mundo, estamos lutando entre nós em disputas que imitam o próprio mundo. Uma vez mais sou levado a lembrar das palavras de Jesus: “Pois eu digo que, se a justiça de vocês não for muito superior à dos fariseus e mestres da lei, de modo nenhum entrarão no Reino dos céus” (Mateus 5.20).
Eu oro para que cada um de nós exerça sua cidadania terrena ou celestial de modo digno do evangelho. Que o amor que nos une a partir de Jesus seja nosso vínculo da paz. Que, ao enfrentarmos este mundo iníquo, mantenhamos nosso papel profético, mas sem se deixar aliciar por um ou outro lado de ideologias que, em última análise, representam muito mal o evangelho. Que o mundo se surpreenda com o amor que os seguidores de Jesus manifestam uns pelos outros mesmo quando nossas preferências políticas sejam conflitantes!
Então, o que devemos realmente fazer?
A palavra diz para orarmos para nossos governantes:

Orar pelos governantes é sensato. Mesmo na melhor das democracias, não podemos garantir que os governantes eleitos vão ser pessoas do bem. Podemos ser enganados por mentirosos e trapaceiros. Não podemos mudar essa realidade mas podemos ter influência de outra maneira: orando.
A oração pelos governantes é importante, se queremos ter uma vida tranquila, com dignidade e paz. Deus pode mudar o coração até do pior líder. Onde não há esperança, nossas orações podem contribuir para uma mudança surpreendente. Os primeiros cristãos decerto oraram pelos governantes e um milagre aconteceu: o império romano passou de perseguidor a grande promotor do Cristianismo!
Em uma democracia, todo cristão tem a oportunidade de participar ativamente da política de seu país. Esse é um grande privilégio! Mas antes de tudo, devemos pôr Deus no centro e orar pelos governantes, para que tenham sabedoria e nos garantam uma vida tranquila.

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